Quantos nomes foram esquecidos ou caíram em desuso para que o inconsciente colonial perdurasse nas bases da botânica moderna?
Partindo dessa premissa, a pesquisa sobre plantas medicinais na iconografia colonial resume a apropriação da taxonomia das plantas e constituição da botânica como campo de conhecimento hegemônico pela colonialidade. Em última instância essa apropriação, que encontra paralelo na biopirataria, invisibilizou as práticas das culturas originárias e alterou as formas de relação com a floresta e o conhecimento tradicional. Nesse sentido, em seu projeto artístico Botannica tirannica, Giselle Beiguelman chama a atenção para o colonialismo manifesto no ato de extrair espécies e nomeá-las, como corolário da subjetividade da modernidade/colonialidade diante da diversidade dos biomas brasileiros.
Durante a pesquisa para a identidade visual do evento, por vezes cruzei com ilustrações botânicas cujas anotações no rodapé mantém uma memória dos muitos nomes que uma planta carrega, suas variações entre regiões e nomes populares, uma memória do interesse sobre a medicina ancestral e o conhecimento sobre as propriedades das plantas utilizadas para cura e práticas ritualísticas. Ao propor uma pesquisa acerca de suas classificações, Beiguelman expõe as contradições do pensamento científico moderno, cuja suposta neutralidade torna invisível a biopirataria e o racismo científico basilar para os estudos em botânica.
Em Botannica tirannica, a autora reúne alguns espécimes cujos nomes testemunham perspectivas racistas, antissemitas, sexistas e principalmente anti-indígenas, uma vez que a colonialidade criou as condições para a apropriação do conhecimento tradicional e dos territórios dos povos originários. A vitória-régia é um desses nomes. A também chamada irupé (guarani), uapé, aguapé (tupi), aguapé-açu, jaçanã, nampé, forno-de-jaçanã, rainha-dos-lagos, milho-d’água, cará-d’água, apé, forno, forno-de-jacaré, forno-d’água, iapunaque-uaupê, iaupê-jaçanã, teve sementes extraídas da Guiana Inglesa por Robert Hermann Schomburgk, sendo descrita e nomeada como Victoria amazonica em homenagem à Rainha Victoria por John Lindey em 1837.
Assim, a planta aquática, típica da região amazônica, passou a ser referida como Victoria Régia, desvinculada de sua função na medicina tradicional em detrimento da presença decorativa em ambientes que buscavam emular o bioma amazônico, influenciando a imagem do império britânico e a arquitetura inglesa oitocentista.
Fontes:
Botannica Tirannica
Victoria regia’s bequest to modern architecture. (Nielsen, 2010)

